“Você precisa ver um psiquiatra” – por que essa frase ainda causa tanto desconforto?
Você já se pegou evitando comentar que faz terapia? Ou sentiu vergonha de admitir que toma medicação para ansiedade? Talvez já tenha adiado uma consulta com psiquiatra mesmo sentindo que precisava de ajuda? Se sim, você não está sozinho. E isso tem um nome: psicofobia.
Hoje vamos abordar esse tema tão sensível e pouco falado que a ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria) e seu presidente Antonio Geraldo tem comentado bastante.
Esse é um texto para você que tem algum tipo de preconceito ainda com os tratamentos psicológicos ou para você que está se entendendo e começando a perceber os benefícios de colocar em si, em primeiro lugar.
Inclusive, postamos recentemente em nosso instagram um pouco do Whinderson Nunes, que tem se tornado um exemplo de olhar para si e se cuidar, confira lá. E abrace a coragem de cuidar de você. Porém, vamos ao que interessa e descobrir o que é a Psicofobia.
O que é psicofobia e como ela afeta nossas vidas?
A psicofobia é o preconceito contra pessoas com transtornos mentais ou contra aqueles que buscam tratamento psiquiátrico. É quando alguém é discriminado, ridicularizado ou excluído por buscar ajuda para sua saúde mental ou por ter um diagnóstico psiquiátrico.
Vejo constantemente como esse estigma prejudica meus pacientes. Um grande exemplo é uma jovem executiva que esconde suas consultas psiquiátricas de todos no trabalho. “Doutor, se descobrirem que tomo antidepressivos, vão achar que não sou capaz de lidar com a pressão do cargo”. Isso é bem normal. Pessoas, se escondem para não serem vistas “cuidando de si”. Pois, muitos interpretam isso como sinal de fraqueza, sendo que na verdade é o contrário. Totalmente o contrário.
A psicofobia está em toda parte – na família que sussurra sobre o parente “que tem problemas”, no colega que faz piada do “ansioso” da equipe, no chefe que levanta as sobrancelhas quando você menciona uma consulta com psiquiatra ou com um psicólogo.
Você se sentiria envergonhado de dizer que vai ao cardiologista? Provavelmente não. Então por que existe esse estigma quando o órgão em questão é o cérebro?
O bullying corporativo e a saúde mental
“Ela não aguenta pressão”, “Ele é muito sensível para esse cargo”, “Toma remédio para dormir? Deve ser fraco”… Frases como essas circulam em ambientes de trabalho, perpetuando um ciclo tóxico de preconceito.
Atendo muitos profissionais que enfrentam esse tipo de bullying corporativo. Um dos meus pacientes, gerente em uma multinacional, me contou que seus colegas o ridicularizavam e falavam que ele era fraco e não dava conta. Porém, ele precisou se afastar por duas semanas devido a uma crise de ansiedade severa.
Outro caso que me marcou foi o de uma professora universitária com TDAH. Apesar de brilhante em sua área, ela ouvia constantemente comentários como “Tenta se concentrar mais” ou “Você precisa ser mais organizada”, como se seu transtorno fosse apenas uma questão de esforço pessoal. Compreender o TDAH é suas facetas é extremamente importante para conhecer seu momento de foco e como lidar com esse “rádio que não consegue sintonizar.”
Essas “pequenas” agressões diárias têm um efeito devastador na autoestima e na recuperação dessas pessoas. É como tentar curar uma fratura enquanto alguém continuamente bate no local machucado. É triste e, muitas vezes, a pessoa não tem recursos para lidar com esses ataques psicofóbicos.
Desmistificando os transtornos mentais mais comuns
Deixa eu desmistificar um pouco alguns dos transtornos mais comuns que vemos que sofre com a psicofobia.
Ansiedade: Não é apenas “nervosismo”
Você sabe diferenciar quando está nervoso e quando está com transtorno de ansiedade? Muitas pessoas não sabem, e é por isso que frases como “todo mundo fica ansioso” são tão prejudiciais.
A ansiedade patológica não é apenas aquela sensação de frio na barriga antes de uma apresentação importante. É uma condição que pode incluir ataques de pânico debilitantes, preocupação constante e incapacitante, sintomas físicos como taquicardia, falta de ar, tontura e uma sensação constante de ameaça iminente. Essa condição pode trazer muitos prejuízos físicos, em relacionamentos e até na carreira dessas pessoas.
No meu consultório, trato pessoas que não conseguem entrar em elevadores, dirigir em rodovias ou até mesmo sair de casa em casos mais graves. Isso não é “frescura” ou “drama” – são circuitos neurais que estão em constante estado de alerta, produzindo respostas de luta ou fuga mesmo quando não há perigo real.
Depressão: Muito além da tristeza
“É só ficar feliz”, “Pensa positivo”, “Tem gente com problemas muito piores”… Se a depressão pudesse ser curada com frases motivacionais, meu consultório estaria vazio.
A depressão é uma condição médica séria que afeta negativamente como você se sente, pensa e age. Causa sentimentos persistentes de tristeza, perda de interesse em atividades que antes eram prazerosas, e pode levar a uma variedade de problemas emocionais e físicos.
Costumo explicar aos meus pacientes que a depressão é como usar óculos escuros o tempo todo – tudo parece mais sombrio, sem graça, sem cor. E não é uma escolha. Ninguém escolhe ter depressão, assim como ninguém escolhe ter diabetes ou pressão alta.
Por isso, ficar provocando causa mais prejuízos e fechamento. Muitas vezes queremos até ajudar, mas essa não é a melhor maneira de fazer isso. A gente vem com esse otimismo e felicidade para uma pessoa com depressão e acabamos piorando seu quadro, infelizmente. Não é só sorrir ou ficar feliz, é preciso entender e trabalhar a própria química e funcionamento do cérebro.
TDAH: Não é falta de disciplina
“Ele só precisa se esforçar mais”, “No meu tempo não tinha esse diagnóstico e todo mundo vivia bem”… Comentários como esses demonstram um profundo desconhecimento sobre o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH).
O TDAH é um transtorno neurobiológico, caracterizado por padrões persistentes de desatenção, hiperatividade e impulsividade que interferem no funcionamento e no desenvolvimento.
Tenho pacientes extremamente inteligentes e capazes que lutam diariamente contra seu próprio cérebro para realizar tarefas que parecem simples para outros. Como explico frequentemente, ter TDAH é como tentar ouvir uma música enquanto alguém constantemente muda a estação de rádio. A frustração é imensa e constante. Atrapalha e todos precisam de ajuda. Achar que é só falta de disciplina, pode afetar bastante a vida de uma pessoa.
Pessoas com TDAH, precisam de estrutura, organização e encontrar seus momentos de foco.
Burnout e exaustão mental: Quando o corpo grita o que a mente sussurra
“Todo mundo está cansado, faz parte da vida adulta”, “Precisa aprender a lidar com o estresse”… Frases como essas normalizam um problema sério: a exaustão mental.
O burnout não é apenas cansaço após uma semana difícil. É um estado de esgotamento físico, emocional e mental causado por estresse prolongado e não tratado. Manifesta-se como fadiga extrema, insônia, dificuldade de concentração, irritabilidade e até mesmo sintomas físicos como dores de cabeça e problemas gastrointestinais.
Como digo aos meus pacientes, nosso corpo é sábio e nos manda sinais. Primeiro sussurra, depois fala, e quando ignoramos por muito tempo, ele grita – muitas vezes na forma de uma crise de burnout. E aí, tudo que está sendo feito ou construído precisa ser interrompido.
O consultório psiquiátrico: do que realmente temos medo?
Agora, vamos falar a verdade, do que temos medo no consultório psiquiátrico? Quando digo a alguém que sou psiquiatra, frequentemente observo um leve desconforto. “Você deve analisar todo mundo”, brincam, mas percebo o nervosismo por trás da piada.
O medo do consultório psiquiátrico geralmente vem de alguns lugares comuns:
- Medo de ser rotulado: “Se eu for ao psiquiatra, isso significa que sou ‘louco’?”
- Medo dos medicamentos: “Vou ficar dependente?” “Vou mudar minha personalidade?”
- Medo de enfrentar a própria mente: Por vezes, é assustador olhar para dentro e reconhecer nossos desafios emocionais.
- Medo do julgamento social: “O que vão pensar de mim?”
É interessante como essas mesmas preocupações raramente surgem em relação a outras especialidades médicas. Ninguém teme ser “rotulado” como cardíaco ao visitar um cardiologista, ou se preocupa com o julgamento social por tomar medicação para pressão alta.
Aqui no Instituto Alceu Giraldi, vejo diariamente como esse medo inicial se transforma em alívio após as primeiras consultas. “Dr. Thiago, eu deveria ter vindo há anos”, é uma frase que escuto com frequência.
Por que a medicação psiquiátrica ainda assusta tanto?
Um dos maiores estigmas que enfrento no meu dia a dia e influencia o medo de ir para o consultório é o medo dos medicamentos psiquiátricos. As pessoas chegam ao consultório com ideias preconcebidas sobre “remédios controlados” que “viciam” ou “transformam a personalidade”.
Vamos ser claros: medicamentos psiquiátricos, quando prescritos e monitorados adequadamente, são seguros e eficazes. Eles não mudam quem você é – pelo contrário, ajudam você a voltar a ser quem realmente é, sem o peso dos sintomas.
Como explico aos meus pacientes, se você tem diabetes, não hesitaria em tomar insulina. Se tem hipertensão, tomaria remédios para pressão. Por que seria diferente com a serotonina ou a dopamina?
Recentemente, atendi um professor universitário que resistiu por anos ao tratamento para transtorno bipolar. “Tinha medo de perder minha criatividade”, confessou. Após seis meses de tratamento adequado, ele voltou com lágrimas nos olhos: “Doutor, não perdi minha criatividade. Recuperei minha vida.” Isso é fato comprovado e é a beleza da vida. Minha esposa e também médica psiquiatra sempre diz que a psiquiatria é a arte de (re)viver a vida. É a habilidade de voltar a sentir e apreciar nossa existência de novo.
Como identificar se você está sofrendo psicofobia no trabalho
Você já se perguntou se está sendo vítima de preconceito por causa da sua saúde mental? Aqui estão alguns sinais comuns que observo nos relatos dos meus pacientes e acho importante você refletir sobre eles.
- Comentários depreciativos sobre sua capacidade mental ou emocional
- Exclusão de projetos ou reuniões importantes após revelação de um diagnóstico ou tratamento
- Piadas recorrentes sobre sua condição ou medicação
- Minimização constante dos seus sintomas (“todo mundo fica triste às vezes”)
- Atribuição de qualquer erro ou falha à sua condição de saúde mental
- Questionamentos sobre sua “força” ou “resiliência”
- Sugestões para manter seu tratamento em segredo
Uma paciente minha, executiva em uma grande empresa, foi aconselhada por seu superior a “não mencionar as consultas com psiquiatra no currículo”. Como se cuidar da própria saúde mental fosse algo a se envergonhar, e não um ato de responsabilidade e autocuidado. Fala sério, não é mesmo?
Como posso ajudar a combater a psicofobia?
Combater o estigma é um trabalho coletivo, e acredito que cada um de nós pode contribuir. Faça sua parte e sirva de exemplo para os outros.
- Eduque-se sobre saúde mental: Quanto mais informação correta circula, menos espaço para o preconceito.
- Monitore sua linguagem: Evite termos pejorativos como “louco”, “maluco”, “pirado” ao se referir a questões de saúde mental.
- Compartilhe sua história: Se você se sentir confortável, falar abertamente sobre suas experiências com saúde mental pode ajudar outros.
- Questione comentários preconceituosos: Um simples “por que você acha isso?” pode fazer alguém refletir sobre crenças enraizadas.
- Ofereça apoio, não julgamento: Se alguém compartilhar que está buscando ajuda psiquiátrica, responda com apoio e validação.
No Instituto Alceu Giraldi, trabalhamos diariamente para desmistificar a psiquiatria. Acredito que a informação é a melhor ferramenta contra o preconceito, e é por isso que mantemos nosso blog ativo com conteúdos educativos.
Quando procurar ajuda psiquiátrica?
Talvez você esteja lendo este artigo e se perguntando: “Será que eu deveria consultar um psiquiatra?”
Aqui estão alguns sinais que indico como importantes para buscar ajuda profissional:
- Seus sentimentos de tristeza, ansiedade ou outros sintomas emocionais estão interferindo significativamente no seu dia a dia
- Você tem pensamentos de autoagressão ou suicídio
- Está enfrentando mudanças drásticas no sono, apetite ou energia
- Está usando álcool ou drogas para lidar com seus sentimentos
- Seus relacionamentos pessoais ou profissionais estão sendo negativamente afetados
- Você tentou outras abordagens e não encontrou alívio
Lembre-se: buscar ajuda não é sinal de fraqueza – é sinal de coragem e autocuidado. Da mesma forma que você consultaria um ortopedista para uma dor nas costas persistente, é natural e saudável consultar um psiquiatra para desafios emocionais persistentes.
Uma sociedade sem psicofobia
Acredito profundamente que estamos caminhando para uma sociedade mais consciente sobre saúde mental. Vejo isso no meu consultório: cada vez mais jovens chegam sem o peso do estigma que suas gerações anteriores carregavam. Além disso, temos as redes sociais com os influencers de depressão e ansiedade — eu me questiono sobre a usabilidade disso, mas é uma realidade que traz à tona o assunto — que ajudam as pessoas a entenderem um pouco mais.
No entanto, ainda temos um longo caminho pela frente. A psicofobia continua presente, sutil às vezes, explícita em outras. Trabalhamos para construir um mundo onde cuidar da mente seja tão natural e livre de julgamentos quanto cuidar do corpo.
Como profissional que dedica sua vida à saúde mental, faço um apelo: vamos falar mais, educar mais e julgar menos. Cada conversa aberta sobre saúde mental é um pequeno passo contra o estigma.
Se você se identificou com algo que abordar nesse texto – seja por já ter vivido preconceito por questões de saúde mental ou por estar lutando em silêncio com seus próprios desafios – saiba que há ajuda disponível. No Instituto Alceu Giraldi, oferecemos um ambiente acolhedor, livre de julgamentos, onde sua jornada para o bem-estar mental é tratada com o respeito e a seriedade que merece.
Afinal, todos nós temos um cérebro. E cuidar dele deveria ser tão normal quanto cuidar de qualquer outra parte do nosso corpo.
E você, já enfrentou alguma situação de psicofobia? Como lidou com isso?
Um abraço e até logo!