As festas de final de ano costumam ser vistas como momentos de celebração, união e alegria. É a época em que as luzes piscam, as ruas estão enfeitadas e as pessoas trocam presentes e mensagens de felicidade. Contudo, como psiquiatra, acompanho, ano após ano, histórias que revelam um lado menos falado dessa época: para muitas pessoas, o final do ano traz tristeza, melancolia e até sintomas depressivos.
Esses sentimentos não são raros. No consultório, muitos pacientes relatam que Dezembro é um mês particularmente difícil, um período em que as dores emocionais parecem mais intensas e as ausências mais pesadas. Há quem diga que se sente deslocado, como se o mundo inteiro estivesse comemorando, enquanto sua vida parece parada ou cheia de problemas. E, mesmo quando há motivos para celebrar, o cansaço acumulado ao longo do ano e as pressões sociais podem tornar tudo mais desafiador.
Por que as festas podem ser tão difíceis?
As causas da melancolia durante as festas de final de ano são muitas e frequentemente interligadas. Abaixo, compartilho alguns dos fatores mais comuns que observo nos relatos de meus pacientes:
Expectativas altas demais
O final do ano é cercado por idealizações. A publicidade, os filmes, as redes sociais e até os relatos de amigos e conhecidos reforçam a ideia de que todos deveriam estar felizes, rodeados de família, celebrando conquistas e vivendo momentos perfeitos.
No entanto, a realidade raramente corresponde a essas expectativas. Já ouvi uma mãe, ao passar por dificuldades financeiras, falar que sentia vergonha de não poder oferecer aos filhos o Natal “dos sonhos”. E outro relato, de alguém que enfrentava conflitos familiares, que disse que evitaria a ceia em casa porque sabia que as brigas seriam inevitáveis.
As redes sociais, em especial, podem exacerbar esse sentimento. Fotos de mesas fartas, viagens de luxo e famílias aparentemente unidas podem levar quem enfrenta dificuldades a se sentir inadequado ou frustrado.
Solidão e isolamento
O isolamento social é outro fator recorrente. Para quem vive sozinho ou está longe da família, as festas podem ser um lembrete doloroso da solidão.
Uma vez, por exemplo, ouvi que, após o divórcio, a pessoa passou a temer o Natal porque ele reforçava a sensação de vazio emocional. Já um idoso relatou que, depois da morte de seus amigos mais próximos, passou a passar as festas em silêncio.
Mesmo quem está cercado de pessoas pode sentir-se só. Isso é especialmente verdadeiro para quem enfrenta depressão, um transtorno que muitas vezes cria um abismo emocional, mesmo quando há interação social.
Luto
Para quem perdeu entes queridos, as festas são uma época especialmente difícil. As tradições, as músicas e até os aromas da comida podem trazer memórias que intensificam a saudade.
Lembro-me de um paciente que, ao perder a mãe, disse que não conseguia mais montar a árvore de Natal. Cada enfeite o fazia lembrar de momentos que ele sabia que não poderia reviver. Para ele, as festas deixaram de ser um momento de alegria e passaram a representar um vazio profundo.
Sobrecarga e estresse
Nem sempre a tristeza das festas vem da solidão ou do luto. Para muitos, o problema é justamente o oposto: a sobrecarga de compromissos.
Compras de última hora, organização de eventos, fechamento de pendências no trabalho, viagens e encontros sociais podem transformar dezembro em um mês exaustivo. Tenho vários pacientes que trabalham no comércio e queixam-se que, ao final do expediente, sentem-se tão exaustos que não tem ânimo para participar das celebrações com a família.
Fatores biológicos
Além das questões emocionais, há fatores biológicos que podem contribuir para a melancolia no final do ano. Em países do hemisfério norte, essa época coincide com o inverno, marcado por dias mais curtos e menor exposição à luz solar. Essa mudança pode desencadear o Transtorno Afetivo Sazonal (TAS), uma forma de depressão ligada à diminuição da luz natural.
Embora no Brasil as festas ocorram no verão, é importante lembrar que pessoas com predisposição genética para transtornos do humor podem apresentar maior vulnerabilidade emocional nessa época, independentemente da estação.
Reconhecendo os sinais de melancolia e depressão
Os sintomas de melancolia ou depressão durante as festas podem variar em intensidade, mas alguns sinais são recorrentes nos relatos que ouço em consultório. Eles podem ser divididos em quatro categorias:
- Emocionais: tristeza persistente, sentimentos de vazio, desesperança ou culpa excessiva.
- Cognitivos: dificuldade de concentração, pensamentos negativos ou ideação suicida em casos mais graves.
- Físicos: fadiga constante, alterações no apetite e no sono, sensação de peso no corpo.
- Comportamentais: isolamento social, perda de interesse em atividades prazerosas e, em alguns casos, uso abusivo de álcool ou outras substâncias.
Reconhecer esses sinais é fundamental. Nem toda tristeza é depressão, mas, se os sintomas forem intensos ou persistirem, é essencial buscar ajuda profissional.
Como lidar com os desafios emocionais das festas?
Embora cada pessoa seja única, algumas estratégias podem ajudar a tornar o final do ano menos doloroso. Aqui estão as que costumo sugerir aos meus pacientes:
Aceite seus sentimentos
Nem todo mundo se sente feliz durante as festas, e isso é normal. Às vezes me perguntam: “É errado não gostar do Natal?”. Minha resposta é clara: não, não é. Permitir-se sentir tristeza ou melancolia, sem se julgar, é o primeiro passo para lidar com esses sentimentos.
Estabeleça expectativas realistas
Evitar comparações com os outros e reduzir as expectativas sobre o período pode prevenir frustrações. Planejar atividades simples, que façam sentido para você, é uma forma eficaz de encontrar prazer no presente, mesmo que ele não seja perfeito.
Porque em vez de gastar tempo, energia e dinheiro decorando a casa, como sempre fez, você não busca um momento de conexão com pessoas que ama? Como uma ida ao cinema ou um passeio no parque, por exemplo.
Crie novas tradições
Se as antigas tradições trazem mais dor do que alegria, é hora de criar novas. Fazer algum trabalho voluntário, organizar um encontro com amigos, viajar ou até mesmo passar o dia descansando.
Conecte-se com as pessoas
Mesmo que você esteja distante fisicamente de familiares e amigos, procure formas de se conectar. A tecnologia pode ser uma grande aliada, permitindo videochamadas e mensagens que aproximam quem está longe.
Cuide-se
Manter uma rotina de autocuidado é fundamental. Atividade física, alimentação balanceada e sono adequado ajudam a regular o humor e a reduzir o estresse.
Procure ajuda profissional
Se os sintomas forem graves ou persistirem, buscar ajuda psiquiátrica ou psicológica é essencial. Em muitos casos, a terapia e, quando necessário, o uso de medicação pode trazer alívio e equilíbrio. Nós do Instituto Alceu Giraldi estamos aqui para ajuda-los caso precisem.
Planeje o próximo ano com calma
O final do ano é um momento natural de reflexão. Em vez de usar essa oportunidade para críticas severas, que tal estabelecer metas realistas e alcançáveis? Concentrar-se em pequenos objetivos, pode deixá-los mais motivados e menos pressionados.
Uma reflexão final para todos.
Como psiquiatra, aprendi que as festas de final de ano não são iguais para todos. Enquanto alguns encontram nelas motivos para celebrar, outros veem esse período como um desafio emocional. E isso é completamente normal.
O importante é lembrar que você não está sozinho. A tristeza que você sente pode ser compreendida, acolhida e tratada. Permita-se viver as festas de uma forma que faça sentido para você, mesmo que isso signifique algo diferente do que a sociedade idealiza.
Com apoio, autocuidado e, se necessário, ajuda profissional, é possível atravessar essa época com mais leveza e até encontrar novos significados para ela. Afinal, o verdadeiro espírito das festas é cuidar de si mesmo e dos outros, de forma honesta e amorosa.