Como lidar com o câncer

Receber um diagnóstico de câncer é como se o mundo parasse por alguns segundos. A gente nunca espera que vai acontecer com a gente, até acontecer. A dor interna, o medo da morte, do desconhecido. Nossa mente vai para mil lugares e é difícil lidar com esses sentimentos e emoções. É uma dor genuína que acompanha a notícia do câncer. E posso afirmar que não é só com a pessoa diagnosticada com o câncer, mas a dor emocional acomete a família e aqueles que amam.

Durante anos acompanho pacientes que enfrentaram essa jornada. Por isso, posso afirmar que a batalha vai muito além do que acontece no corpo físico. Existe uma dimensão emocional e psicológica profunda que precisa ser cuidada com a mesma atenção que damos aos tratamentos médicos.

Hoje, neste texto, quero conversar com você sobre os aspectos emocionais dessa experiência tão desafiadora. Abordaremos desde o impacto inicial do diagnóstico até a reconstrução da vida após o tratamento, sempre com o olhar de quem entende que cuidar da mente é fundamental para enfrentar qualquer adversidade.

A dor que ninguém vê

Quando falamos de câncer, é natural que nossa atenção se volte imediatamente para os sintomas físicos, os exames, os tratamentos, não é mesmo? Mas existe uma dor silenciosa que habita um território invisível: nossa mente. É uma dor que não aparece nos exames de imagem, não tem marcadores biológicos específicos, mas que pode ser tão intensa quanto qualquer desconforto físico.

Pacientes chegam relatando uma tristeza profunda que parece não ter fim, uma sensação de vazio que os acompanha mesmo nos momentos em que deveriam estar celebrando pequenas vitórias. Compreensível. É como se a mente criasse um filtro escuro através do qual tudo passa a ser visto com pessimismo e desalento. Essa é uma dor da incerteza, da angústia, culpa e até medo.

Essa dor invisível merece nossa atenção e cuidado. Pois, ela se manifesta através de pensamentos contraditórios. Ao mesmo tempo em que existe um desejo profundo de viver, há momentos em que a pessoa questiona se vale a pena continuar lutando. Não é fraqueza, não é falta de fé ou coragem. É uma resposta natural da mente humana diante de uma ameaça à nossa existência.

Dessa forma, é muito difícil a gente conseguir ser empático e entender o lado da outra pessoa. Mesmo casos de câncer idênticos em pessoas distintas, são sentidos de forma diferente. Por isso, a importância de olhar para essa questão psicológica junto com o tratamento do câncer. Seja com um psiquiatra ou com psicólogos. Uma boa equipe de oncologia sempre indica profissionais que estão acostumados a trabalhar em conjunto.

A mente na descoberta do câncer: o caos

Para mim, o momento do diagnóstico é como um terremoto emocional. Percebo que todas as estruturas mentais que construímos ao longo da vida – nossos planos, nossas certezas, nossa sensação de controle – são abaladas em questão de segundos. Por isso, aqui na clínica, costumo comparar esse momento a uma tempestade que surge do nada: um minuto o céu está claro, no próximo estamos correndo para nos abrigar.

Gosto de dizer que a mente entra em um estado que chamo de “caos organizador”. Parece contraditório, mas é exatamente isso que acontece: enquanto externamente tudo parece estar fora de controle, internamente nossa psique começa um trabalho intenso de reorganização. É um mecanismo de sobrevivência extraordinário que possuímos.

Durante esse período, é comum experienciar uma montanha-russa emocional. Negação, raiva, barganha, tristeza. Todas essas emoções podem se alternar ao longo de um mesmo dia, às vezes em questão de horas. Acredito firmemente que esse caos inicial não é um problema a ser resolvido rapidamente, mas sim um processo natural que precisa ser respeitado e acompanhado.

Infelizmente, temos a contínua busca por entorpecimento ao invés de nos permitir sentir. A dor que chega, de forma caótica, jogando nossas emoções para todos os lados e nos deixando confusos sobre nós, sobre a vida e sobre a doença, pode ser avassaladora. Mas há vida entre esperança e tristeza.

Assim, acredito ser fundamental entender que não existe uma forma “certa” de reagir a um diagnóstico de câncer. Cada pessoa tem seu próprio ritmo e sua própria maneira de processar essa informação devastadora.

Tratamento, aceitação e uma batalha solitária

Aqui no consultório, gosto de ver todo o contexto dessa batalha que se inicia ao dizer Sim ao tratamento. Percebo que mesmo cercados de amor, de uma equipe médica dedicada e de todo apoio possível, existe uma dimensão da luta contra o câncer que é profundamente individual. Por isso, digo que é uma batalha que travamos conosco mesmos, em diálogos internos que ninguém mais pode ouvir ou compartilhar completamente. Isso, considerando uma pessoa aberta, que tem com quem conversar e dividir seus pensamentos e sentimentos.

Pacientes que, mesmo rodeados de família e amigos, se sentem isolados em sua experiência. Isso acontece porque, no final das contas, é o próprio corpo e a própria mente que precisam encontrar recursos para enfrentar cada sessão de quimioterapia, cada efeito colateral, cada momento de incerteza sobre o futuro.

Porém, aquele abraço, aconchego, acolhimento, é indispensável. Um convite para uma pipoca com filme em casa aquece um coração. Aquele convite para passear num parque e conversar sobre a vida. Apenas um abraço quando nossa mente é preenchida de dúvidas e incertezas. Essas pequenas coisas ajudam DEMAIS no tratamento e na força do paciente.

Agora, a aceitação não é um evento único que acontece de uma vez por todas. É um processo diário, às vezes momento a momento. Alguns dias acordamos fortes e determinados, outros dias a fragilidade toma conta. Por isso, podemos afirmar que a verdadeira força não está em ser invencível, mas em aceitar essa variação emocional como parte natural do processo.

Nessa batalha interna, desenvolvemos recursos que nem sabíamos que possuíamos. A mente humana tem uma capacidade impressionante de adaptação e resiliência. Muitos pacientes me relatam que descobriram uma versão de si mesmos que desconheciam. Uma versão mais corajosa, mais determinada, mais conectada com o que realmente importa na vida.

A cura: uma nova vida

A remissão do câncer, sim, este é o termo correto que usamos quando a doença não apresenta mais sinais detectáveis, marca o início de um novo capítulo, mas não necessariamente o fim da jornada emocional. É como se a pessoa tivesse passado por uma transformação profunda e agora precisasse redescobrir quem é nessa nova realidade.

É natural pacientes relatarem se desconectarem de seus propósitos, de alguns ideias, alteram-se valores pessoais. Pois, por todo tempo focaram em uma batalha. E com seu sucesso, vem o período de celebração e dúvidas… e depois? O que faço agora? Como vivo minha vida?

Acompanho muitos pacientes que enfrentam o que chamo de “síndrome do sobrevivente“. Existe um misto de gratidão imensa pela vida com uma ansiedade persistente sobre o futuro. É natural que surjam perguntas como: “E se o câncer voltar?”, “Como posso confiar novamente no meu corpo?”, “Como retomar uma vida normal depois de tudo que passei?”. Isso, sem pensar em todas novos direcionamentos de vida que pode ter.

A cura física não apaga automaticamente as cicatrizes emocionais. Principalmente, porque elas são invisíveis. Não se apaga a memória, não é mesmo? Por isso, acredito que o processo de reconstrução da vida após o câncer é tão importante quanto o próprio tratamento da doença. É um momento de redefinir prioridades, de estabelecer novos significados e de aprender a conviver com uma nova percepção sobre a fragilidade e a preciosidade da vida.

Muitos pacientes me dizem que, paradoxalmente, o câncer trouxe presentes inesperados: relacionamentos mais autênticos, uma capacidade maior de apreciar pequenos momentos, uma coragem renovada para perseguir sonhos que antes pareciam impossíveis. O tratamento do câncer é um filtro da vida. Um momento que temos para refletir. Infelizmente doloroso e difícil, mas que pode nos trazer muita evolução.

Esperança e acompanhamento psicológico

A esperança não é apenas um sentimento bonito, é uma ferramenta terapêutica poderosa. Estudos científicos demonstram que pacientes com perspectiva otimista e rede de apoio emocional apresentam melhor resposta aos tratamentos e maior qualidade de vida durante todo o processo.

O acompanhamento psicológico durante o tratamento do câncer não é um luxo ou uma opção complementar, é uma necessidade fundamental. A mente que está sendo cuidada tem muito mais recursos para enfrentar os desafios físicos da doença. É como ter um GPS emocional que nos ajuda a navegar pelos momentos mais difíceis da jornada.

Por isso, recomendo sempre que busquem apoio profissional especializado. Um psicólogo ou psiquiatra com experiência em psicooncologia pode oferecer ferramentas específicas para lidar com as demandas emocionais do câncer. Técnicas como a terapia cognitivo-comportamental, mindfulness e outras abordagens têm se mostrado extremamente eficazes.

Os pacientes que abraçam o cuidado emocional como parte integral do seu tratamento desenvolvem uma resiliência extraordinária. Pois, eles aprendem a transformar o medo em coragem, a incerteza em aceitação, e a luta em crescimento pessoal.

Lembre-se: você não precisa enfrentar essa jornada sozinho. Existem profissionais preparados para caminhar ao seu lado, oferecendo não apenas conhecimento técnico, mas também o acolhimento humano que todos merecemos nos momentos mais desafiadores da vida.

Se você ou alguém que conhece está enfrentando um diagnóstico de câncer, não hesite em buscar apoio psicológico. Cuidar da mente é cuidar de si mesmo de forma integral, e isso faz toda a diferença no processo de cura e na qualidade de vida durante todo o tratamento.

O Instituto Alceu Giraldi é um espaço que oferece os mais distintos profissionais para te ajudar nessa jornada. Se essa for sua escolha, conte com a gente. Será um prazer caminhar de mãos dadas durante essa fase de sua vida. Uma fase que sairá mais forte.

Dr. Thiago Dias

Dr. Thiago Dias

Médico Psiquiatra, Terapeuta Gestalt e Co-fundador do Instituto Corpo & Mente. Após muitos anos trabalhando com patologias mentais e ajudando seus clientes a voltarem para sua vidas, compreendeu que o sucesso de seus pacientes acontece quando olham para a saúde, qualidade de vida e bem-estar. Assim, facilitando o tratamento e remissão.

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