As mentiras que te contam sobre TDAH

Nos últimos anos, observamos um aumento significativo nos diagnósticos de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Esse fenômeno tem gerado diversas discussões e, infelizmente, muitos equívocos. Como médico psiquiatra e recebendo jovens e adultos em meu consultório com desinformação sobre o TDAH e até diagnósticos errados, me sinto triste e frustrado. Pois isso pode impactar negativamente na vida das pessoas.

Por isso, o objetivo deste post é desmistificar algumas das falsas informações que circulam sobre o TDAH. Inclusive ajudando aqueles que se rotulam com TDAH, o que em muitos casos não é verdade. Assim, quero abordar os mitos mais comuns, os diagnósticos incorretos frequentes e as consequências desses equívocos. Além disso, destacarei a importância de um diagnóstico correto e ofereceremos orientações sobre o que fazer se você ou alguém próximo suspeita ter TDAH.

O que é o TDAH de verdade?

Vamos começar pelo básico: o que é, de fato, o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH)? Como psiquiatra, é fundamental para mim esclarecer que o TDAH é um transtorno neurobiológico que afeta tanto crianças quanto adultos. Ele não é simplesmente uma questão de “preguiça” ou “falta de esforço”.

O TDAH é caracterizado por um padrão persistente de desatenção e/ou hiperatividade-impulsividade que interfere no funcionamento ou desenvolvimento. De acordo com os critérios do DSM-5, os sintomas de desatenção podem incluir:

  • Dificuldades em manter a atenção em tarefas ou atividades;
  • Frequentemente cometer erros por descuido;
  • Parecer não escutar quando se fala diretamente.

Já os sintomas de hiperatividade-impulsividade podem envolver:

  • Inquietação;
  • Dificuldade de permanecer sentado;
  • Falar excessivamente.

Segundo a descrição do CID-11, o TDAH é caracterizado por um padrão persistente (pelo menos 6 meses) de desatenção e/ou hiperatividade-impulsividade que tem um impacto negativo direto no funcionamento acadêmico, ocupacional ou social. É possível ter evidências de sintomas significativos de desatenção e/ou hiperatividade-impulsividade antes dos 12 anos de idade, tipicamente no início ou meio da infância, embora alguns indivíduos possam ser clinicamente identificados mais tarde. Porém, precisa ser levada em conta o grau de desatenção e hiperatividade-impulsividade. É natural da criança ser impulsiva, hiperativa e desatenta, porém existem algumas que estão fora dos limites da variação normal esperada para a idade e nível de funcionamento intelectual.

A desatenção e a hiperatividade

A desatenção refere-se a uma dificuldade significativa em manter a atenção em tarefas que não fornecem um alto nível de estimulação ou recompensas frequentes, distração e problemas com organização. Quero acrescentar aqui, inclusive, que a quantidade de tela, redes sociais, jogos, desenhos, etc geram alto nível de dopamina, o hormônio da recompensa, e deixam as tarefas mundanas cada vez mais desinteressantes. Mas, abordarei isso um pouco à frente.

Já a hiperatividade refere-se a uma atividade motora excessiva e dificuldades em permanecer parado, mais evidente em situações estruturadas que requerem autocontrole comportamental. Por fim, a impulsividade é uma tendência a agir em resposta a estímulos imediatos, sem deliberação ou consideração dos riscos e consequências. O famoso agir sem pensar. Porém, lembre que isso não se dá quando a pessoa faz isso uma vez, é necessário que isso seja um comportamento, ok?

Mentiras que te contam sobre TDAH

Vamos então falar sobre as mentiras que te contam sobre o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Existem muitos mitos e mentiras que precisam ser ressignificados para minimizarmos a tendência de todo mundo falar que tem TDAH. Aqui no consultório se tornou uma constante o autodiagnóstico ou o diagnóstico “do amigo” dizendo que o paciente tem TDAH e muitas vezes não é. Vamos explorar isso juntos?

Falta de Foco

Uma das mentiras mais comuns é diagnosticar TDAH em alguém que simplesmente tem dificuldades em manter o foco. A falta de foco pode ser causada por uma série de fatores, como estresse, ansiedade, falta de interesse ou até mesmo um ambiente de trabalho inadequado. Por exemplo, uma pessoa que trabalha em um ambiente barulhento e caótico pode ter dificuldade em se concentrar, mas isso não significa que ela tenha TDAH. Diagnosticar TDAH nesses casos pode levar a tratamentos desnecessários e não resolver o problema subjacente.

A nossa vida hoje é cheia de intrusões e notificações (veja o seu celular). A maioria das pessoas não sabe lidar com as ferramentas que possui, não sabe dizer “não”, não consegue se manter focada e comprometida e a coisa mais fácil de se fazer é criar uma desculpa externa. Neste caso, ao invés da pessoa assumir a responsabilidade e tentar encontrar o seu foco, ela se autodiagnostica como TDAH. Isso tem uma consequência gravíssima no médio e longo prazo, principalmente porque a pessoa não irá aprender a ter foco.

Existem diversas técnicas que podem ajudar. Porém, vai depender da pessoa gostar de ser rotulada com TDAH, sem possuir o transtorno, ou dela buscar ajudas para melhorar seu desempenho e funcionalidade.

Agitação e Confusão

Muitas vezes, a agitação e a confusão são interpretadas como sinais de TDAH, quando na verdade podem ser sintomas de outras condições, como ansiedade ou transtornos do humor. Assim, a agitação pode ser uma resposta a situações estressantes ou mudanças na vida, e não necessariamente um indicativo de TDAH. Por isso, digo que é crucial realizar uma avaliação completa para evitar diagnósticos errados.

Por exemplo, uma pessoa está passando por um período de grande estresse no trabalho e em casa. Ela se sente agitada e confusa, mas esses sintomas desapareceram quando ela tirou férias e conseguiu descansar. Isso sugere que a agitação dela era uma resposta ao estresse, não um sintoma de TDAH.

Desmotivação em Atividades Chatas

Outra mentira comum é associar a incapacidade de realizar atividades chatas e sem motivação ao TDAH. Muitas pessoas, independentemente de terem ou não TDAH, encontram dificuldade em se engajar em tarefas que não lhes interessam. A motivação e o interesse são fatores importantes na realização de qualquer atividade, e a falta deles não deve ser automaticamente considerada como TDAH.

Hoje em dia com celular, televisão, jogos e outros estímulos que são desenvolvidos para estimular a produção de dopamina em nossos cérebros deixa mais difícil a nossa concentração em atividades que não possuem estimulos. Assim, trabalhos rotineiros e atividades sem propósito concorrem com notificações e outros interesses.

Eu indico a leitura do livro: Nação dopamina: Por que o excesso de prazer está nos deixando infelizes e o que podemos fazer para mudar.

Assim, você poderá entender porque consegue maratonar uma série e não consegue ficar sentado em seu lugar de trabalho.

Problemas de Sono

Distúrbios do sono, como insônia ou apneia do sono, podem causar sintomas que se assemelham ao TDAH, como dificuldade de concentração e irritabilidade. Diagnosticar TDAH sem considerar a qualidade do sono do paciente pode levar a um tratamento inadequado e que não considera todas as variantes da insônia e transtornos de humor.. É essencial avaliar os padrões de sono antes de concluir qualquer tipo de diagnóstico.

Por exemplo uma pessoa tem dificuldades para dormir e acorda várias vezes durante a noite. Dessa forma, durante o dia, ela se sente cansada e tem dificuldade de concentração. Após um exame do sono, descobriu-se que ela tem apneia do sono. Dessa forma, com o tratamento adequado para a apneia, seus sintomas de falta de concentração melhoraram significativamente, indicando que o problema não era TDAH.

Saiba mais sobre insônia e higiene do sono aqui: https://institutoalceugiraldi.com.br/habitos-de-sono-para-uma-vida-melhor/

Sobrecarga de Trabalho

A sobrecarga de trabalho e o estresse crônico podem causar sintomas como desatenção, esquecimento e dificuldade de organização, que são frequentemente confundidos com TDAH. No entanto, esses sintomas podem ser uma resposta ao estresse e não indicam necessariamente um transtorno neurobiológico. É importante diferenciar entre os efeitos do estresse e os sintomas de TDAH para evitar diagnósticos errados.

Você pode entender mais nessa entrevista: https://institutoalceugiraldi.com.br/exaustao-mental-por-um-psiquiatra/

Nem tudo é TDAH

Está ficando cada vez mais confortável e prático rotular uma pessoa com TDAH. É só dizer que a pessoa tem TDAH e aceitar. Porém, essa é uma verdade que faz tão mal no longo prazo, é tão prejudicial, para a pessoa, suas oportunidades e para quem está vinculado com ela.

Dessa forma, medicar erroneamente uma pessoa pode trazer tantos prejuízos físicos, mentais e emocionais, que no primeiro momento podem parecer incríveis. Porém, é perceptível no longo prazo que as dosagens aumentam e os resultados diminuem, pois nunca foi TDAH. Mas sim, estresse, preguiça, falta de foco, falta de propósito e assim por diante.

Por isso, é extremamente importante não rotular as pessoas. E no primeiro sinal conversar com um psiquiatra para fazer uma análise. Lembre que nenhum outro profissional pode dar o laudo de TDAH, apenas o psiquiatra. Temos o Neurologista que pode ter pistas e pode analisar outros problemas conjuntos, porém a psiquê humana traz vertentes que só o psiquiatra consegue analisar. Psicólogos e até pediatras também podem observar sinais.

Se sente que precisa fazer uma avaliação, encontre um psiquiatra que realmente analise e faça toda a profunda avaliação que o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade pede.

Mais importante de tudo: não fique escutando o diagnóstico de amigos. Não aceite que digam que você tem TDAH, procure um médico psiquiatra e não deixe um diagnóstico errado se transformar em um peso em sua vida.

Dr. Thiago Dias

Dr. Thiago Dias

Médico Psiquiatra, Terapeuta Gestalt e Co-fundador do Instituto Corpo & Mente. Após muitos anos trabalhando com patologias mentais e ajudando seus clientes a voltarem para sua vidas, compreendeu que o sucesso de seus pacientes acontece quando olham para a saúde, qualidade de vida e bem-estar. Assim, facilitando o tratamento e remissão.

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