Geração TikTok e o boom dos vídeos de autodiagnóstico psiquiátrico

Você já percebeu como, de repente, todo mundo parece ter TDAH, ansiedade ou depressão? Não estou falando da real prevalência desses transtornos na nossa sociedade, que de fato é significativa. Estou me referindo a algo que tenho observado com crescente preocupação no meu consultório: jovens chegando com “diagnósticos” feitos através de vídeos do TikTok, Instagram ou YouTube, convencidos de que têm determinado transtorno mental baseando-se em conteúdos de 30 segundos. Parece inacreditável isso, não é mesmo? Mas é real!

Como psiquiatra, vejo diariamente o impacto dessa nova realidade. Pais confusos trazem adolescentes que se autodiagnosticaram com múltiplos transtornos. Educadores relatam alunos que usam supostos diagnósticos para justificar comportamentos. E os próprios jovens chegam ao consultório com uma lista de sintomas “confirmados” pelo algoritmo das redes sociais.

Dessa forma, neste texto abordaremos o fenômeno do autodiagnóstico psiquiátrico nas redes sociais, seus malefícios tanto para criadores quanto consumidores de conteúdo, e você entenderá como distinguir entre psicoeducação saudável e autodiagnóstico prejudicial.

O fenômeno que tomou conta das telas

O TikTok e o Instagram se tornaram uma verdadeira enciclopédia médica informal para milhões de jovens. Algoritmos poderosos entregam conteúdos sobre saúde mental com uma precisão cirúrgica, criando bolhas onde sintomas psiquiátricos são apresentados como listas de verificação simples. “Cinco sinais de que você tem TDAH“, “Como saber se você é autista“, “Sintomas de borderline que ninguém te conta” – esses títulos geram milhões de visualizações.

Aqui na clínica, recebo semanalmente jovens que me mostram vídeos salvos em seus celulares como “evidência” de seus diagnósticos. É como se a complexidade da mente humana pudesse ser reduzida a uma checklist viral. Por isso, acredito que precisamos entender as raízes desse fenômeno antes de simplesmente condená-lo.

A geração que cresceu com smartphones desenvolveu uma relação única com a informação. Para eles, qualquer dúvida pode ser resolvida com uma busca rápida. Quando começam a questionar aspectos de sua personalidade ou comportamento – algo completamente normal na adolescência e juventude – naturalmente recorrem às plataformas digitais. O problema surge quando essas plataformas oferecem “respostas” definitivas para questões que requerem análise profissional profunda.

Vejo isso como um reflexo da nossa sociedade acelerada, onde queremos respostas instantâneas para questões complexas. Mas a mente humana não funciona como um aplicativo que você pode diagnosticar em 30 segundos, não é mesmo?

Por que os jovens abraçam tanto esses “diagnósticos”

Observei que existe uma necessidade humana fundamental de entender a si mesmo e encontrar explicações para experiências internas confusas. Os adolescentes, especialmente, estão em uma fase de construção identitária onde cada peça do quebra-cabeça pessoal parece crucial.

Quando um jovem se sente diferente, ansioso ou tem dificuldades de concentração, encontrar um “diagnóstico” pode trazer alívio temporário. É como se finalmente tivessem uma explicação para seus sentimentos. “Ah, então é por isso que eu sou assim!” – nós psiquiatras escutamos essa frase quase diariamente.

Além disso, vivemos em uma era onde os transtornos mentais estão mais visibilizados e, de certa forma, menos estigmatizados entre os jovens. Isso é positivo em muitos aspectos, mas também pode criar uma cultura onde ter um diagnóstico se torna quase uma identidade social. Por isso, podemos afirmar que alguns jovens encontram nos supostos diagnósticos uma forma de pertencimento a comunidades online e explicações para dificuldades que podem ter origens muito mais simples.

O problema surge quando esse alívio temporário impede a busca por entendimento real e tratamento adequado. É como usar um band-aid quando você precisa de cirurgia – pode parecer que resolveu, mas não tratou a causa raiz.

Os perigos para quem cria esse tipo de conteúdo

Muitos criadores de conteúdo sobre saúde mental têm boas intenções. Querem compartilhar suas experiências, educar e ajudar outros que passam por situações similares. No entanto, quando começam a listar sintomas de forma simplificada ou sugerir diagnósticos, podem estar causando mais mal do que bem.

Vejo que muitos desses influenciadores não possuem formação adequada para discutir questões de saúde mental com a responsabilidade que o tema exige. Mesmo aqueles que são profissionais da área podem estar violando princípios éticos básicos ao oferecer “diagnósticos” genéricos através de vídeos.

Aqui surge um dilema ético importante: esses criadores podem estar incentivando autodiagnósticos equivocados e atrasando tratamentos adequados. Por isso, acredito que existe uma responsabilidade social em como apresentamos informações sobre saúde mental online. Quando alguém com milhares de seguidores fala sobre sintomas de forma categórica, pode influenciar comportamentos e decisões importantes na vida de pessoas vulneráveis.

Além disso, muitos não consideram as variações individuais, comorbidades ou o contexto específico de cada pessoa. O que funciona ou se aplica a uma pessoa pode ser completamente inadequado para outra. É como receitar o mesmo remédio para doenças diferentes apenas porque os sintomas iniciais são parecidos.

O impacto nocivo em quem consome esses conteúdos

Agora, vamos falar sobre quem está do outro lado da tela. Tenho observado padrões preocupantes em jovens que consomem intensivamente conteúdos de autodiagnóstico. Primeiro, há uma tendência a interpretar comportamentos normais como sintomas patológicos.

Sentir ansiedade antes de uma prova importante é normal. Ter momentos de desatenção durante uma aula chata é compreensível. Experienciar mudanças de humor na adolescência faz parte do desenvolvimento. Mas quando esses comportamentos são constantemente interpretados através da lente de transtornos mentais, pode surgir uma hiperfocalização problemática.

Vejo jovens que desenvolvem uma espécie de “ansiedade diagnóstica” – ficam obcecados em encontrar rótulos para cada sentimento ou comportamento. Isso pode, paradoxalmente, piorar sua saúde mental ao criar uma narrativa interna de que são “quebrados” ou “anormais”. Por isso, podemos afirmar que o autodiagnóstico pode se tornar uma profecia autorrealizável, onde a pessoa passa a se comportar de acordo com o que acredita ter.

Outro problema sério é o atraso na busca por ajuda profissional adequada. Quando alguém está convencido de que tem determinado transtorno baseado em vídeos online, pode resistir a avaliações profissionais que contradigam essa crença. Já atendi jovens que chegaram irritados porque eu não confirmei imediatamente o diagnóstico que eles trouxeram do TikTok.

A importância genuína da psicoeducação

Mas nem tudo são espinhos nessa história. É fundamental reconhecermos que existe um lado extremamente positivo no interesse crescente dos jovens por saúde mental. A geração atual está mais disposta a falar sobre sentimentos, buscar ajuda e quebrar tabus que persistiram por décadas.

A psicoeducação legítima – aquela que informa sem diagnosticar – é uma ferramenta poderosa. Quando bem feita, pode ajudar pessoas a reconhecerem sinais de que precisam buscar ajuda profissional. Pode normalizar conversas sobre saúde mental e reduzir estigmas. Pode ensinar estratégias de autocuidado e oferecer esperança para quem está sofrendo.

Por isso, acredito firmemente que o problema não está na educação sobre saúde mental online, mas na forma como ela é apresentada. Existe uma diferença abissal entre dizer “estes são sintomas comuns de ansiedade, se você se identifica, considere conversar com um profissional” e “se você faz isso, provavelmente tem ansiedade“.

A boa psicoeducação oferece informação sem rotular. Ela convida à reflexão sem impor conclusões. Ela aponta direções sem dar destinos definitivos. Vejo isso como a diferença entre dar uma bússola para alguém perdido versus dizer exatamente onde ela está sem nem conhecer o terreno. Isso faz sentido para você?

Como distinguir autoconhecimento saudável de autodiagnóstico prejudicial

Aqui chegamos a um ponto crucial que discuto frequentemente com pais e educadores: como ensinar os jovens a diferenciarem entre reflexão saudável sobre si mesmos e autodiagnóstico problemático?

O autoconhecimento saudável envolve observar padrões comportamentais e emocionais sem necessariamente rotulá-los. É perceber que você se sente mais ansioso em situações sociais, que tem dificuldade para se concentrar em certas circunstâncias, ou que determinados ambientes afetam seu humor. Isso é valioso e deve ser incentivado.

O autodiagnóstico prejudicial, por outro lado, envolve associar essas observações diretamente a transtornos específicos e agir como se esse diagnóstico fosse confirmado. É a diferença entre “percebo que tenho dificuldade para me concentrar às vezes” e “tenho TDAH porque vi um vídeo que listava sintomas com os quais me identifiquei”.

Sempre oriento famílias a incentivarem conversas abertas sobre sentimentos e comportamentos, mas dentro de um contexto de curiosidade e não de categorização diagnóstica. Por isso, podemos afirmar que o objetivo deve ser desenvolver inteligência emocional, não coletar diagnósticos.

O papel fundamental dos pais e educadores

Pais e educadores estão na linha de frente desta questão. Vocês são quem pode orientar os jovens a navegarem essas águas turbulentas de forma saudável. Primeiro, é importante manterem diálogo aberto sobre o que os jovens estão consumindo online.

Em vez de simplesmente proibirem o acesso a conteúdos sobre saúde mental, sugiro que vocês assistam junto e conversem sobre o que viram. Façam perguntas como: “O que você achou interessante neste vídeo? Como isso se relaciona com sua própria experiência? Você acha que uma pessoa pode ter certeza sobre algo tão complexo em 30 segundos?

Vejo que muitas famílias evitam completamente o assunto, com medo de “dar ideias” para os filhos. Mas a realidade é que eles já estão expostos a essas informações. É melhor ser parte da conversa do que deixá-los processarem sozinhos. Por isso, acredito que a educação digital sobre saúde mental deveria ser tão importante quanto a educação sexual – ambas são realidades que os jovens encontrarão de qualquer forma.

Também é crucial que vocês reconheçam quando é hora de buscar ajuda profissional. Se um jovem está genuinamente sofrendo – independentemente de ter ou não um autodiagnóstico – isso é um sinal para procurar avaliação especializada. O sofrimento psíquico é real e merece atenção, mesmo quando sua origem não é exatamente o que o jovem imagina.

Construindo uma relação saudável com a informação sobre saúde mental

Quando penso no futuro, vejo que precisamos ensinar os jovens a serem consumidores críticos de informações sobre saúde mental. Aliás, acredito que está faltando muito pensamento crítico com a automatização dos pensamentos e emoções, não é verdade? Isso significa desenvolver habilidades para avaliar a qualidade das fontes, questionar simplificações excessivas e entender os limites do que pode ser aprendido através de conteúdos breves.

É importante desenvolver tolerância à incerteza. Não precisamos ter um rótulo para cada experiência humana. Às vezes, estar confuso sobre si mesmo é normal e até saudável. É parte do processo de crescimento e autodescoberta.

Por isso, acredito que devemos ensinar os jovens a verem os conteúdos sobre saúde mental online como pontos de partida para reflexão, não como destinos finais. São convites para mergulhar mais fundo no autoconhecimento, preferencialmente com orientação profissional quando necessário.

A questão não é eliminar completamente o interesse dos jovens por saúde mental – isso seria um retrocesso terrível. A questão é canalizá-lo de forma construtiva e responsável. Queremos que eles sejam curiosos sobre si mesmos, mas também céticos sobre respostas fáceis demais para questões complexas.

Lembre-se: buscar entender a si mesmo é um impulso humano fundamental e deve ser celebrado. Mas transformar essa busca em uma coleção de diagnósticos autodeclarados pode ser mais prejudicial do que útil. A mente humana merece mais do que checklist viral – ela merece compreensão profunda, cuidado profissional e o tempo necessário para revelarem suas complexidades únicas.

Se você é pai, educador ou jovem que se reconheceu neste texto, considere procurar ajuda profissional para navegar essas questões de forma saudável. Aqui no Instituto Alceu Giraldi, estamos preparados para acolher essas dúvidas e oferecer o suporte adequado para que o interesse por saúde mental se transforme em verdadeiro cuidado e crescimento pessoal.

Dr. Thiago Dias

Dr. Thiago Dias

Médico Psiquiatra, Terapeuta Gestalt e Co-fundador do Instituto Corpo & Mente. Após muitos anos trabalhando com patologias mentais e ajudando seus clientes a voltarem para sua vidas, compreendeu que o sucesso de seus pacientes acontece quando olham para a saúde, qualidade de vida e bem-estar. Assim, facilitando o tratamento e remissão.

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